sábado, dezembro 31, 2005

Esperança - Mário Quintana

Lá bem no alto do décimo segundo andar do Ano
Vive uma louca chamada Esperança
E ela pensa que quando todas as sirenas
Todas as buzinas
Todos os reco-recos tocarem
Atira-se
E
ó delicioso vôo!
Ela será encontrada miraculosamente incólume na calçada,
Outra vez criança...
E em torno dela indagará o povo:
— Como é teu nome, meninazinha de olhos verdes?
E ela lhes dirá
(É preciso dizer-lhes tudo de novo!)
Ela lhes dirá bem devagarinho, para que não esqueçam:
— O meu nome é ES-PE-RAN-ÇA...

"Nova Antologia Poética", pág. 118, Ed. Globo - S. Paulo, 1998.

sexta-feira, dezembro 30, 2005

Irene - Manuel Bandeira

Irene preta
Irene boa
Irene sempre de bom humor

Imagina Irene entrando no céu
Dá licensa meu branco
Entra Irene
você não precisa pedir licença

Recordo ainda - Mário Quintana

Recordo ainda... e nada mais me importa...
Aqueles dias de uma luz tão mansa
Que me deixavam, sempre, de lembrança,
Algum brinquedo novo à minha porta...

Mas veio um vento de Desesperança
Soprando cinzas pela noite morta!
E eu pendurei na galharia torta
Todos os meus brinquedos de criança...

Estrada afora após segui... Mas, aí,
Embora idade e senso eu aparente
Não vos iludais o velho que aqui vai:

Eu quero os meus brinquedos novamente!
Sou um pobre menino... acreditai!...
Que envelheceu, um dia, de repente!...

quinta-feira, dezembro 29, 2005

Ordem do dia - Flora Figueiredo

Eu abro a janela,
você acende o céu,
o gato toca o guizo.
Se for preciso,
a gente chama a banda,
cobre de lírios o espaço da varanda,
dá um brilho na pátina da areia.
Risca-se o poente com giz colorido
que faça sentido com a pele do mar.
E se, ao final da linha,
o rádio anunciar que tudo deu errado:
a idéia faliu,
a alegria dormiu,
o projeto quedou-se malfadado;
negou-se o teorema,
falhou o sistema,
perdeu-se a teoria,
então, abriremos por fim a nossa caixa,
onde se conservam bem guardados
o sonho, o veludo e a fantasia.

sábado, dezembro 24, 2005

Poema de Natal - Vinicius de Moraes

Para isso fomos feitos:
Para lembrar e ser lembrados
Para chorar e fazer chorar
Para enterrar os nossos mortos –
Por isso temos braços longos para os adeuses
Mãos para colher o que foi dado
Dedos para cavar a terra.

Assim será a nossa vida:
Uma tarde sempre a esquecer
Uma estrela a se apagar na treva
Um caminho entre dois túmulos –
Por isso precisamos velar
Falar baixo, pisar leve, ver
A noite dormir em silêncio.

Não há muito que dizer:
Uma canção sobre um berço
Um verso, talvez, de amor
Uma prece por quem se vai –
Mas que essa hora não esqueça
E por ela os nossos corações
Se deixem, graves e simples.

Pois para isso fomos feitos:
Para a esperança no milagre
Para a participação da poesia
Para ver a face da morte –
De repente nunca mais esperaremos...
Hoje a noite é jovem; da morte, apenas
Nascemos, imensamente.

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Natal - Vinicius de Moraes

De repente o sol raiou
E o galo cocoricou:

– Cristo nasceu!

O boi, no campo perdido
Soltou um longo mugido:

– Aonde? Aonde?

Com seu balido tremido
Ligeiro diz o cordeiro:

– Em Belém! Em Belém!

Eis senão quando, num zurro
Se ouve a risada do burro:

– Foi sim que eu estava lá!

E o papagaio que é gira
Pôs-se a falar: – É mentira!

Os bichos de pena, em bando
Reclamaram protestando.

O pombal todo arrulhava:
– Cruz credo! Cruz credo!

                                    Brava

A arara a gritar começa:

– Mentira? Arara. Ora essa!
– Cristo nasceu! – canta o galo.
– Aonde? – pergunta o boi.
– Num estábulo! – o cavalo
Contente rincha onde foi.

Bale o cordeiro também:

– Em Belém! Mé! Em Belém

E os bichos todos pegaram
O papagaio caturra
E de raiva lhe aplicaram
Uma grandíssima surra.

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sexta-feira, dezembro 23, 2005

O Relógio - Vinicius de Moraes

Passa, tempo, tic-tac
Tic-tac, passa, hora
Chega logo, tic-tac
Tic-tac, e vai-te embora
Passa, tempo
Bem depressa
Não atrasa
Não demora
Que já estou
Muito cansado
Já perdi
Toda a alegria
De fazer
Meu tic-tac
Dia e noite
Noite e dia
Tic-tac
Tic-tac
Dia e noite
Noite e dia

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segunda-feira, dezembro 19, 2005

Simbiose - Antonio Cicero

Sou seu poeta só
Só em você descubro a poesia
Que era minha já
Mas eu não via

Só eu sou seu poeta
Só eu revelo a poesia sua
e à noite indiscreta
você de lua.

sexta-feira, dezembro 16, 2005

Narciso - Antonio Cicero

Narciso é filho de uma flor aquática
e de um rio meândrico. É líquido
cristalizado de forma precária
e preciosa, trazendo o sigilo

da sua origem no semblante vívido
conquanto reflexivo. Ousaria
defini-lo como a forma em que a vida
mesma se retrata. É pois fatídico

que, logo ao se encontrar, ele se perca
e ao se conhecer também se esqueça,
se está na confluência da verdade

e da miragem quando as verdes margens
da fonte emolduram sua imagem fluida
e fugaz de água sobre água cerúlea.

quinta-feira, dezembro 15, 2005

Poética - Vinicius de Moraes

De manhã escureço
De dia tardo
De tarde anoiteço
De noite ardo.

A oeste a morte
Contra quem vivo
Do sul cativo
O este é meu norte.

Outros que contem
Passo por passo:
Eu morro ontem

Nasço amanhã
Ando onde há espaço:
– Meu tempo é quando.

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terça-feira, dezembro 13, 2005

Poesia - Carlos Drummond de Andrade

Gastei uma hora pensando um verso
que a pena não quer escrever.
No entanto ele está cá dentro
inquieto, vivo.
Ele está cá dentro
e não quer sair.
Mas a poesia deste momento
inunda minha vida inteira.

Transforma-se o amador na cousa amada - Luís de Camões

Transforma-se o amador na cousa amada,
Por virtude do muito imaginar;
Não tenho logo mais que desejar,
Pois em mim tenho a parte desejada.

Se nela está minha alma transformada,
Que mais deseja o corpo de alcançar?
Em si sómente pode descansar,
Pois consigo tal alma está liada.

Mas esta linda e pura semideia,
Que, como o acidente em seu sujeito,
Assim co'a alma minha se conforma,

Está no pensamento como ideia;
[E] o vivo e puro amor de que sou feito,
Como matéria simples busca a forma.

domingo, dezembro 11, 2005

Os versos que te fiz - Florbela Espanca

Deixe dizer-te os lindos versos raros
Que a minha boca tem pra te dizer !
São talhados em mármore de Paros
Cinzelados por mim pra te oferecer.

Tem dolencia de veludo caros,
São como sedas pálidas a arder...
Deixa dizer-te os lindos versos raros
Que foram feitos pra te endoidecer !

Mas, meu Amor, eu não te digo ainda...
Que a boca da mulher é sempre linda
Se dentro guarda um verso que não diz !

Amo-te tanto ! E nunca te beijei...
E nesse beijo, Amor, que eu te não dei
Guardo os versos mais lindos que te fiz.

sexta-feira, dezembro 09, 2005

Abril - Adriana Calcanhotto

Sinto o abraço do tempo apertar
e redesenhar minha escolhas
logo eu, que queria mudar tudo
me vejo cumprindo ciclos
gostar mais de hoje e gostar disso
Me vejo com seus olhos, tempo
espero pelas novas folhas
e imagino jeitos novos
para as mesmas coisas
logo eu, que queria ficar
pra ver encorparem os caules
lá vou eu, eu queria ficar
pra me ver mais tarde
sabendo o que sabem os velhos
pra ver o tempo e seu lento ácido
dissolver o que é concreto
E vejo o tempo em seu claroescuro
vejo o tempo em seu movimento
me marcar a pele fundo
me impelindo, me fazendo
logo eu, que fazia girar o mundo
logo eu, quem diria, esperar pelos frutos
Conheço o tempo em seus disfarces
em seus círculos de horas
se arrastando feito meses
se o meu amor demora
E vejo bem, tudo recomeçar todas as vezes
e vejo o tempo apodrecer e brotar e seguir sendo sempre ele
Me vejo o tempo todo
começar de novo
e ser e ter tudo pela frente
Me vejo o tempo todo
começar de novo
e ser e ter tudo pela frente

http://www.adrianacalcanhotto.com.br

quinta-feira, dezembro 08, 2005

Soneto de fidelidade - Vinicius de Moraes

De tudo, ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento

Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento

E assim quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama

Eu possa lhe dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure

http://www.viniciusdemoraes.com.br/

terça-feira, dezembro 06, 2005

Teu corpo - Ferreira Gullar

O teu corpo muda
independente de ti.
Não te pergunta
se deve engordar.

É um ser estranho
que tem o teu rosto
ri em teu riso
e goza com teu sexo.
Lhe dás de comer
e ele fica quieto.
Penteia-lhe os cabelos
como se fossem teus.

Num relance, achas
que apenas estás
nesse corpo.
Mas como, se nele
nascente e sem ele
não és?
Ao que tudo indica
tu és esse corpo
— que a cada dia
mais difere de ti.

E até já tens medo
de olhar no espelho:
lento como nuvem
o rosto que eras
vai virando outro.

E a erupção
que te surge no queixo?
Vai sumir? alastrar-se
feito impingem, câncer?
Poderás detê-la
com Dermobenzol?
ou terás que chamar
o corpo de bombeiros?

Tocas o joelho:
tu és esse osso.
Olhas a mão:
tu és essa mão.
A forma sentada
de bruços na mesa
és tu.
Quem se senta és tu,
quem se move (leva
o cigarro à boca,
traga, bate a cinza)
és tu.
Mas quem morre?
Quem diz ao teu corpo — morre —
quem diz a ele — envelhece —
se não o desejas,
se queres continuar vivo e jovem
por infinitas manhãs?

http://portalliteral.terra.com.br/ferreira_gullar/

segunda-feira, dezembro 05, 2005

Sem Mandamentos - Oswaldo Montenegro

Hoje que quero a rua cheia de sorrisos francos
De rostos serenos, de palavras soltas
Eu quero a rua toda parecendo louca
com gente gritando e se abraçando ao sol
Hoje que quero ver a bola da criança livre
quero ver os sonhos todos nas janelas
quero ver vocês andando por aí
Hoje eu vou pedir desculpas pelo que eu não disse
Eu até desculpo o que você falou
eu quero ver meu coração no seu sorriso
e no olho da tarde a primeira luz
Hoje eu quero que os boêmios gritem bem mais alto
eu quero um carnaval no engarrafamento
e que dez mil estrelas vão riscando o céu
buscando a sua casa no amanhecer
Hoje eu vou fazer barulho pela madrugada
rasgar a noite escura como um lampião
eu vou fazer seresta na sua calçada
eu vou fazer misérias no seu coração
Hoje eu quero que os poetas dancem pela rua
pra escrever a músicas sem pretensão
eu quero que as buzines toquem flauta-doce
e que triunfe a força da imaginação

I am a stranger here myself - Kurt Weill (um trecho)

Hoje eu postarei algo diferente, que é um trecho de uma música.

"If gender is just a term in grammar,
How can I ever find my way,
Since I'm a stranger here myself?"

sexta-feira, dezembro 02, 2005

algumas coisas...

Ah, que vontade de postar um dos meus poemas, mas ainda não posso postá-los... um dia ainda posto um!

Tenho uma dúvida, será que alguém visita esse blog? Porque nunca ninguém comenta... Alguém???

Memória - Carlos Drummond de Andrade

Amar o perdido
deixa confundido
este coração.

Nada pode o olvido
contra o sem sentido
apelo do Não.

As coisas tangíveis
tornam-se insensíveis
à palma da mão

Mas as coisas findas
muito mais que lindas,
essas ficarão.

Hipótese - Carlos Drummond de Andrade

E se Deus é canhoto
e criou com a mão esquerda?
Isso explica, talvez, as coisas deste mundo.

quarta-feira, novembro 30, 2005

A uma passante - Baudelaire

A rua em derredor era um ruído incomum,
Longa, magra, de luto e na dor majestosa,
Uma mulher passou e com a mão faustosa
Erguendo, balançando o festão e o debrum;

Nobre e ágil, tendo a perna assim de estátua exata.
Eu bebia perdido em minha crispação
No seu olhar, céu que germina o furacão,
A doçura que embala e o frenesi que mata.

Um relâmpago, e após a noite! - Aérea beldade,
E cujo olhar me fez renascer de repente,
Só te verei um dia e já na eternidade?

Bem longe, tarde, além, jamais provavelmente!
Não sabes aonde vou, eu não sei aonde vais,
Tu que eu teria amado - e o sabias demais!

segunda-feira, novembro 28, 2005

sem título (Para além da curva da estrada...) - Alberto Caeiro

Para além da curva da estrada
Talvez haja um poço, e talvez um castelo,
E talvez apenas a continuação da estrada.
Não sei nem pergunto.
Enquanto vou na estrada antes da curva
Só olho para a estrada antes da curva,
Porque não posso ver senão a estrada antes da curva.
De nada me serviria estar olhando para outro lado
E para aquilo que não vejo.
Importemo-nos apenas com o lugar onde estamos.
Há beleza bastante em estar aqui e não noutra parte qualquer.
Se há alguém para além da curva da estrada,
Esses que se preocupem com o que há para além da curva da estrada.
Essa é que é a estrada para eles.
Se nós tivermos que chegar lá, quando lá chegarmos saberemos.
Por ora só sabemos que lá não estamos.
Aqui há só a estrada antes da curva, e antes da curva
Há a estrada sem curva nenhuma.

Alberto Caeiro é um dos heterônimos do poeta português Fernando Pessoa

sexta-feira, novembro 25, 2005

Ah! Os Relógios - Mário Quintana

Amigos, não consultem os relógios
quando um dia eu me for de vossas vidas
em seus fúteis problemas tão perdidas
que até parecem mais uns necrológios...

Porque o tempo é uma invenção da morte:
não o conhece a vida - a verdadeira -
em que basta um momento de poesia
para nos dar a eternidade inteira.

Inteira, sim, porque essa vida eterna
somente por si mesma é dividida:
não cabe, a cada qual, uma porção.

E os Anjos entreolham-se espantados
quando alguém - ao voltar a si da vida -
acaso lhes indaga que horas são...

quinta-feira, novembro 24, 2005

Narciso e Narciso - Ferreira Gullar

Se Narciso se encontra com Narciso
e um deles finge
que ao outro admira
(para sentir-se admirado),
o outro
pela mesma razão finge também
e ambos acreditam na mentira.

Para Narciso
o olhar do outro, a voz
do outro, o corpo
é sempre o espelho
em que ele a própria imagem mira.
E se o outro é
como ele
outro Narciso,
é espelho contra espelho:
o olhar que mira
reflete o que o admira
num jogo multiplicado em que a mentira
de Narciso a Narciso
inventa o paraíso.
                                E se amam mentindo
                                no fingimento que é necessidade
                                e assim
                                mais verdadeiro que a verdade.

Mas exige, o amor fingido,
ser sincero
o amor que como ele
é fingimento.
                     E fingem mais
os dois
com o mesmo esmero
com mais e mais cuidado
                        - e a mentira se torna desespero.
Assim amam-se agora
                     se odiando.

O espelho
                embaciado,
já Narciso em Narciso não se mira:
se torturam
se ferem
não se largam
                       que o inferno de Narciso
                       é ver que o admiravam de mentira.

http://portalliteral.terra.com.br/ferreira_gullar/

quarta-feira, novembro 23, 2005

Anúncio da Rosa - Carlos Drummond de Andrade

Imenso trabalho nos custa a flor.
Por menos de oito contos vendê-la? Nunca.
Primavera não há mais doce, rosa tão meiga
onde abrirá? Não, cavalheiros, sede permeáveis.

Uma só pétala resume auroras e pontilhismos,
sugere estâncias, diz que te amam, beijai a rosa,
ela é sete flores, qual mais fragrante, todas exóticas,
todas histórias, todas catárticas, todas patéticas.

Vêde o caule,
traço indeciso.

Autor da rosa, não me revelo, sou eu, quem sou?
Deus me ajudara, mas ele é neutro, e mesmo duvido
que em outro mundo alguém se curve, filtre a paisagem,
pense uma rosa na pura ausência, no amplo vazio.

Vinde, vinde,
olhai o cálice.

Por preço tão vil mas peça, como direi, aurilavrada,
não, é cruel existir em tempo assim filaucioso,.
Injusto padecer exílio, pequenas cólicas cotidianas,
oferecer-vos alta mercância estelar e sofrer vossa irrisão.

Rosa na roda,
rosa na máquina,
apenas rósea.

Selarei, venda murcha, meu comércio incompreendido,
pois jamais virão pedir-me, eu sei, o que de melhor se compôs na noite,
e não há oito contos. Já não vejo amadores de rosa.
Ó fim do parnasiano, começo da era difícil, a burguesia apodrece.

Aproveitem. A última
rosa desfolha-se.

O Morcego - Augusto dos Anjos

Meia-noite. Ao meu quarto me recolho.
Meu Deus! E este morcego! E, agora, vede:
Na bruta ardência orgânica da sede,
Morde-me a goela ígneo e escaldante molho.

"Vou mandar levantar outra parede..."
- Digo. Ergo-me a tremer. Fecho o ferrolho
E olho o teto. E vejo-o ainda, igual a um olho,
Circularmente sobre minha rede!

Pego de um pau. Esforços faço. Chego
A tocá-lo. Minh’alma se concentra.
Que ventre produziu tão feio parto?!

A Consciência Humana é este morcego!
Por mais que a gente faça, à noite, ele entra
Imperceptivelmente em nosso quarto!

terça-feira, novembro 22, 2005

Os Poemas - Mário Quintana

Os poemas são pássaros que chegam
não se sabe de onde e pousam
no livro que lês.
Quando fechas o livro, eles alçam vôo
como de um alçapão.
Eles não têm pouso
nem porto
alimentam-se um instante em cada par de mãos
e partem.
E olhas, então, essas tuas mãos vazias,
no maravilhoso espanto de saberes
que o alimento deles já estava em ti...

Consolo na praia - Carlos Drummond de Andrade

Vamos, não chores.
A infância está perdida.
A mocidade está perdida.
Mas a vida não se perdeu.

O primeiro amor passou.
O segundo amor passou.
O terceiro amor passou.
Mas o coração continua.

Perdeste o melhor amigo.
Não tentaste qualquer viagem.
Não possuis carro, navio, terra.
Mas tens um cão.

Algumas palavras duras,
em voz mansa, te golpearam.
Nunca, nunca cicatrizam.
Mas, e o humour?

A injustiça não se resolve.
À sombra do mundo errado
murmuraste um protesto tímido.
Mas virão outros.

Tudo somado, devias
precipitar-te, de vez, nas águas.
Estás nu na areia, no vento...
Dorme, meu filho.

Uma nova integrante!!

Agora a Julia não está mais sozinha, também eu vou postar aqui poemas e textos para todo mundo que entende o quanto a poesia e a literatura são importantes! Espero que gostem das nossas escolhas!
Qualquer sugestão que tiverem, poemas ou poetas que mais gostam etc., escrevam um comentário! Ah, já soube de algumas pessoas que foram escrever um comentário e acharam que só pode comentar quem é cadastrado no Blogger... em cima da caixa de texto tem três opções: "blogger", "outro" e "ânonimo". Se você não for cadastrado, escolha uma das duas últimas!!!
Agora preparem-se, o primeiro poema que eu postei é o meu preferido (ou um dos...) do Carlos Drummond de Andrade. Aproveitem!

Ana Clara

A Fábrica do Poema - Waly Salomão

sonho o poema de arquitetura ideal
cuja própria nata de cimento
encaixa palavra por palavra, tornei-me perito em extrair
faíscas das britas e leite das pedras.
acordo!
e o poema todo se esfarrapa, fiapo por fiapo.
acordo!
o prédio, pedra e cal, esvoaça
como um leve papel solto à mercê do vento e evola-se,
cinza de um corpo esvaído de qualquer sentido
acordo, e o poema miragem se desfaz
descontruído como se nunca houvera sido.
acordo! os olhos chumbados pelo mingau das almas
e os ouvidos moucos,
assim é que saio dos sucessivos sonos:
vão-se os anéis de fumo de ópio
e ficam-me os dedos estarrecidos.
metonímias, aliterações, metáforas, oxímoros
sumidos no sorvedouro.
nao deve adiantar grande coisa permanecer à espreita
no topo fantasma da torre de vigia
nem a simulação de se afundar no sono.
nem dormir deveras.
pois a questão-chave é:
               sob que mascará retornará o recalcado?

Poema de Waly Salomão musicado por Adriana Calcanhotto em seu cd "A Fábrica do Poema"

segunda-feira, novembro 21, 2005

A Valsa - Casimiro de Abreu

Tu, ontem,
Na dança
Que cansa,
Voavas
Co'as faces
Em rosas
Formosas
De vivo,
Lascivo
Carmim.
Na valsa
Tão falsa,
Corrias
Fugias,
Ardente,
Contente,
Tranqüila
Serena,
Sem pena
De mim!


Quem dera
Que sintas
As dores
De amores
Que louco
Senti!
Quem dera
Que sintas!...
- Não negues,
Não mintas...
- Eu vi!...


Valsavas:
- Teus belos
Cabelos,
Já soltos,
Revoltos,
Saltavam,
Voavam,
Brincavam
No colo
Que é meu;
E os olhos
Escuros
Tão puros
Perjuros
Volvias,
Tremias,
Sorrias
Pra outro
Não eu!


Quem dera
Que sintas
As dores
De amores
Que louco senti!
Quem dera
Que sintas!...
- Não negues,
não mintas...
- Eu vi!...


Meu Deus
Eras bela,
Donzela,
Valsando,
Sorrindo,
Fugindo,
Qual silfo
Risonho
Que em sonho
Nos vem!
Mas esse
Sorriso
Tão liso
Que tinhas
Nos lábios
De rosa,
Formosa,
Tu davas,
Mandavas
A quem?!


Quem dera
Que sintas
As dores
De amores
Que louco
Senti!
Quem dera
Que sintas!...
- Não negues,
Não mintas...
- Eu vi!...


Calado,
Sozinho,
Mesquinho,
Em zelos
Ardendo,
Eu vi-te
Correndo
Tão falsa
Na valsa
Veloz!
Eu triste
Vi tudo!
Mas mudo
Não tive
Nas galas
Das salas,
Nem falas,
Nem cantos,
Nem prantos
Nem voz!


Quem dera
Que sintas
As dores
De amores
Que louco
Senti!
Quem dera
Que sintas!...
- Não negues
não mintas...
- Eu vi!...


Na valsa
Cansaste;
Ficaste
Prostrada,
Turbada!
Pensavas,
Cismavas,
E estavas
Tão pálida
Então,
Qual pálida
Rosa
Mimosa,
No vale
Do vento
Cruento
Batida,
Caída
Sem vida
No chão!


Quem dera
Que sintas
As dores
De amores
Que louco
Senti!
Quem dera
Que sintas!...
- Não negues,
não mintas...
- Eu vi!...

domingo, novembro 20, 2005

sem título (não basta abrir a janela...) - Alberto Caeiro

Não basta abrir a janela
Para ver os campos e o rio.
Não é bastante não ser cego
Para ver as árvores e as flores.
É preciso também não ter filosofia nenhuma.
Com filosofia não há árvores: há idéias apenas.
Há só cada um de nós, como uma cave.
Há só uma janela fechada, e todo o mundo lá fora;
E o sonho do que se poderia ver se a janela se abrisse,
Que nunca é o que se vê quando se abre a janela.

sábado, novembro 19, 2005

Iniciação - Eucanaã Ferraz

Conheço o primeiro livro de poemas:
Eu,
de Augusto dos Anjos.

Meu pai o tem
entre tratados de odontologia,
sem capa, velho,
enferrujado.

Livro misteriosíssimo,
no qual a morte é o superlativo
síntese de tudo,
absoluta como minha preguiça
de ir ao dicionário decifrar vocábulos.

http://www.eucanaaferraz.com.br/

sexta-feira, novembro 18, 2005

Os acrobatas - Vinicius de Moraes

Subamos!
Subamos acima
Subamos além, subamos
Acima do além, subamos!
Com a posse física dos braços
Inelutavelmente galgaremos
O grande mar de estrelas
Através de milênios de luz.

Subamos!
Como dois atletas
O rosto petrificado
No pálido sorriso do esforço
Subamos acima
Com a posse física dos braços
E os músculos desmesurados
Na calma convulsa da ascensão.

Oh, acima
Mais longe que tudo
Além, mais longe que acima do além!
Como dois acrobatas
Subamos, lentíssimos
Lá onde o infinito
De tão infinito
Nem mais nome tem
Subamos!

Tensos
Pela corda luminosa
Que pende invisível
E cujos nós são astros
Queimando nas mãos
Subamos à tona
Do grande mar de estrelas
Onde dorme a noite
Subamos!

Tu e eu, herméticos
As nádegas duras
A carótida nodosa
Na fibra do pescoço
Os pés agudos em ponta.

Como no espasmo.

E quando
Lá, acima
Além, mais longe que acima do além
Adiante do véu de Betelgeuse
Depois do país de Altair
Sobre o cérebro de Deus

Num último impulso
Libertados do espírito
Despojados da carne
Nós nos possuiremos.

E morreremos
Morreremos alto,
imensamente
IMENSAMENTE ALTO.

http://www.viniciusdemoraes.com.br/

quinta-feira, novembro 17, 2005

A realidade e a imagem - Manuel Bandeira

O arranha-céu sobe no ar puro lavado pela chuva
e desce refletido na poça de lama do pátio.
Entre a realidade e a imagem, no chão seco que as separa,
quatro pombas passeiam.

início de um blog...

Esse é o meu mais novo blog, por enquanto, estou só eu por aqui, mas assim que a Clara melhorar, acho que ela se juntará a mim. Bom, a idéia desse blog é a de postar poemas; e como alguns de vocês sabem, eu ando muito ligada em poesia nos últimos tempos, e sempre sentia falta de mostrar pra alguém um poema novo que eu tinha descoberto, ou um que já conhecia, e queria dividir. Pode ser que de vez em quando eu não coloque um poema inteiro, só uns versos soltos...