Lá bem no alto do décimo segundo andar do Ano
Vive uma louca chamada Esperança
E ela pensa que quando todas as sirenas
Todas as buzinas
Todos os reco-recos tocarem
Atira-se
E
ó delicioso vôo!
Ela será encontrada miraculosamente incólume na calçada,
Outra vez criança...
E em torno dela indagará o povo:
— Como é teu nome, meninazinha de olhos verdes?
E ela lhes dirá
(É preciso dizer-lhes tudo de novo!)
Ela lhes dirá bem devagarinho, para que não esqueçam:
— O meu nome é ES-PE-RAN-ÇA...
"Nova Antologia Poética", pág. 118, Ed. Globo - S. Paulo, 1998.
um espaço criado por quem gosta de poesia, que hoje se estende e abriga mais do que apenas poesia
sábado, dezembro 31, 2005
sexta-feira, dezembro 30, 2005
Irene - Manuel Bandeira
Irene preta
Irene boa
Irene sempre de bom humor
Imagina Irene entrando no céu
Dá licensa meu branco
Entra Irene
você não precisa pedir licença
Irene boa
Irene sempre de bom humor
Imagina Irene entrando no céu
Dá licensa meu branco
Entra Irene
você não precisa pedir licença
Recordo ainda - Mário Quintana
Recordo ainda... e nada mais me importa...
Aqueles dias de uma luz tão mansa
Que me deixavam, sempre, de lembrança,
Algum brinquedo novo à minha porta...
Mas veio um vento de Desesperança
Soprando cinzas pela noite morta!
E eu pendurei na galharia torta
Todos os meus brinquedos de criança...
Estrada afora após segui... Mas, aí,
Embora idade e senso eu aparente
Não vos iludais o velho que aqui vai:
Eu quero os meus brinquedos novamente!
Sou um pobre menino... acreditai!...
Que envelheceu, um dia, de repente!...
Aqueles dias de uma luz tão mansa
Que me deixavam, sempre, de lembrança,
Algum brinquedo novo à minha porta...
Mas veio um vento de Desesperança
Soprando cinzas pela noite morta!
E eu pendurei na galharia torta
Todos os meus brinquedos de criança...
Estrada afora após segui... Mas, aí,
Embora idade e senso eu aparente
Não vos iludais o velho que aqui vai:
Eu quero os meus brinquedos novamente!
Sou um pobre menino... acreditai!...
Que envelheceu, um dia, de repente!...
quinta-feira, dezembro 29, 2005
Ordem do dia - Flora Figueiredo
Eu abro a janela,
você acende o céu,
o gato toca o guizo.
Se for preciso,
a gente chama a banda,
cobre de lírios o espaço da varanda,
dá um brilho na pátina da areia.
Risca-se o poente com giz colorido
que faça sentido com a pele do mar.
E se, ao final da linha,
o rádio anunciar que tudo deu errado:
a idéia faliu,
a alegria dormiu,
o projeto quedou-se malfadado;
negou-se o teorema,
falhou o sistema,
perdeu-se a teoria,
então, abriremos por fim a nossa caixa,
onde se conservam bem guardados
o sonho, o veludo e a fantasia.
você acende o céu,
o gato toca o guizo.
Se for preciso,
a gente chama a banda,
cobre de lírios o espaço da varanda,
dá um brilho na pátina da areia.
Risca-se o poente com giz colorido
que faça sentido com a pele do mar.
E se, ao final da linha,
o rádio anunciar que tudo deu errado:
a idéia faliu,
a alegria dormiu,
o projeto quedou-se malfadado;
negou-se o teorema,
falhou o sistema,
perdeu-se a teoria,
então, abriremos por fim a nossa caixa,
onde se conservam bem guardados
o sonho, o veludo e a fantasia.
sábado, dezembro 24, 2005
Poema de Natal - Vinicius de Moraes
Para isso fomos feitos:
Para lembrar e ser lembrados
Para chorar e fazer chorar
Para enterrar os nossos mortos –
Por isso temos braços longos para os adeuses
Mãos para colher o que foi dado
Dedos para cavar a terra.
Assim será a nossa vida:
Uma tarde sempre a esquecer
Uma estrela a se apagar na treva
Um caminho entre dois túmulos –
Por isso precisamos velar
Falar baixo, pisar leve, ver
A noite dormir em silêncio.
Não há muito que dizer:
Uma canção sobre um berço
Um verso, talvez, de amor
Uma prece por quem se vai –
Mas que essa hora não esqueça
E por ela os nossos corações
Se deixem, graves e simples.
Pois para isso fomos feitos:
Para a esperança no milagre
Para a participação da poesia
Para ver a face da morte –
De repente nunca mais esperaremos...
Hoje a noite é jovem; da morte, apenas
Nascemos, imensamente.
http://www.viniciusdemoraes.com.br/
Para lembrar e ser lembrados
Para chorar e fazer chorar
Para enterrar os nossos mortos –
Por isso temos braços longos para os adeuses
Mãos para colher o que foi dado
Dedos para cavar a terra.
Assim será a nossa vida:
Uma tarde sempre a esquecer
Uma estrela a se apagar na treva
Um caminho entre dois túmulos –
Por isso precisamos velar
Falar baixo, pisar leve, ver
A noite dormir em silêncio.
Não há muito que dizer:
Uma canção sobre um berço
Um verso, talvez, de amor
Uma prece por quem se vai –
Mas que essa hora não esqueça
E por ela os nossos corações
Se deixem, graves e simples.
Pois para isso fomos feitos:
Para a esperança no milagre
Para a participação da poesia
Para ver a face da morte –
De repente nunca mais esperaremos...
Hoje a noite é jovem; da morte, apenas
Nascemos, imensamente.
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Natal - Vinicius de Moraes
De repente o sol raiou
E o galo cocoricou:
– Cristo nasceu!
O boi, no campo perdido
Soltou um longo mugido:
– Aonde? Aonde?
Com seu balido tremido
Ligeiro diz o cordeiro:
– Em Belém! Em Belém!
Eis senão quando, num zurro
Se ouve a risada do burro:
– Foi sim que eu estava lá!
E o papagaio que é gira
Pôs-se a falar: – É mentira!
Os bichos de pena, em bando
Reclamaram protestando.
O pombal todo arrulhava:
– Cruz credo! Cruz credo!
Brava
A arara a gritar começa:
– Mentira? Arara. Ora essa!
– Cristo nasceu! – canta o galo.
– Aonde? – pergunta o boi.
– Num estábulo! – o cavalo
Contente rincha onde foi.
Bale o cordeiro também:
– Em Belém! Mé! Em Belém
E os bichos todos pegaram
O papagaio caturra
E de raiva lhe aplicaram
Uma grandíssima surra.
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E o galo cocoricou:
– Cristo nasceu!
O boi, no campo perdido
Soltou um longo mugido:
– Aonde? Aonde?
Com seu balido tremido
Ligeiro diz o cordeiro:
– Em Belém! Em Belém!
Eis senão quando, num zurro
Se ouve a risada do burro:
– Foi sim que eu estava lá!
E o papagaio que é gira
Pôs-se a falar: – É mentira!
Os bichos de pena, em bando
Reclamaram protestando.
O pombal todo arrulhava:
– Cruz credo! Cruz credo!
A arara a gritar começa:
– Mentira? Arara. Ora essa!
– Cristo nasceu! – canta o galo.
– Aonde? – pergunta o boi.
– Num estábulo! – o cavalo
Contente rincha onde foi.
Bale o cordeiro também:
– Em Belém! Mé! Em Belém
E os bichos todos pegaram
O papagaio caturra
E de raiva lhe aplicaram
Uma grandíssima surra.
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sexta-feira, dezembro 23, 2005
O Relógio - Vinicius de Moraes
Passa, tempo, tic-tac
Tic-tac, passa, hora
Chega logo, tic-tac
Tic-tac, e vai-te embora
Passa, tempo
Bem depressa
Não atrasa
Não demora
Que já estou
Muito cansado
Já perdi
Toda a alegria
De fazer
Meu tic-tac
Dia e noite
Noite e dia
Tic-tac
Tic-tac
Dia e noite
Noite e dia
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Tic-tac, passa, hora
Chega logo, tic-tac
Tic-tac, e vai-te embora
Passa, tempo
Bem depressa
Não atrasa
Não demora
Que já estou
Muito cansado
Já perdi
Toda a alegria
De fazer
Meu tic-tac
Dia e noite
Noite e dia
Tic-tac
Tic-tac
Dia e noite
Noite e dia
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segunda-feira, dezembro 19, 2005
Simbiose - Antonio Cicero
Sou seu poeta só
Só em você descubro a poesia
Que era minha já
Mas eu não via
Só eu sou seu poeta
Só eu revelo a poesia sua
e à noite indiscreta
você de lua.
Só em você descubro a poesia
Que era minha já
Mas eu não via
Só eu sou seu poeta
Só eu revelo a poesia sua
e à noite indiscreta
você de lua.
sexta-feira, dezembro 16, 2005
Narciso - Antonio Cicero
Narciso é filho de uma flor aquática
e de um rio meândrico. É líquido
cristalizado de forma precária
e preciosa, trazendo o sigilo
da sua origem no semblante vívido
conquanto reflexivo. Ousaria
defini-lo como a forma em que a vida
mesma se retrata. É pois fatídico
que, logo ao se encontrar, ele se perca
e ao se conhecer também se esqueça,
se está na confluência da verdade
e da miragem quando as verdes margens
da fonte emolduram sua imagem fluida
e fugaz de água sobre água cerúlea.
e de um rio meândrico. É líquido
cristalizado de forma precária
e preciosa, trazendo o sigilo
da sua origem no semblante vívido
conquanto reflexivo. Ousaria
defini-lo como a forma em que a vida
mesma se retrata. É pois fatídico
que, logo ao se encontrar, ele se perca
e ao se conhecer também se esqueça,
se está na confluência da verdade
e da miragem quando as verdes margens
da fonte emolduram sua imagem fluida
e fugaz de água sobre água cerúlea.
quinta-feira, dezembro 15, 2005
Poética - Vinicius de Moraes
De manhã escureço
De dia tardo
De tarde anoiteço
De noite ardo.
A oeste a morte
Contra quem vivo
Do sul cativo
O este é meu norte.
Outros que contem
Passo por passo:
Eu morro ontem
Nasço amanhã
Ando onde há espaço:
– Meu tempo é quando.
http://www.viniciusdemoraes.com.br
De dia tardo
De tarde anoiteço
De noite ardo.
A oeste a morte
Contra quem vivo
Do sul cativo
O este é meu norte.
Outros que contem
Passo por passo:
Eu morro ontem
Nasço amanhã
Ando onde há espaço:
– Meu tempo é quando.
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terça-feira, dezembro 13, 2005
Poesia - Carlos Drummond de Andrade
Gastei uma hora pensando um verso
que a pena não quer escrever.
No entanto ele está cá dentro
inquieto, vivo.
Ele está cá dentro
e não quer sair.
Mas a poesia deste momento
inunda minha vida inteira.
que a pena não quer escrever.
No entanto ele está cá dentro
inquieto, vivo.
Ele está cá dentro
e não quer sair.
Mas a poesia deste momento
inunda minha vida inteira.
Transforma-se o amador na cousa amada - Luís de Camões
Transforma-se o amador na cousa amada,
Por virtude do muito imaginar;
Não tenho logo mais que desejar,
Pois em mim tenho a parte desejada.
Se nela está minha alma transformada,
Que mais deseja o corpo de alcançar?
Em si sómente pode descansar,
Pois consigo tal alma está liada.
Mas esta linda e pura semideia,
Que, como o acidente em seu sujeito,
Assim co'a alma minha se conforma,
Está no pensamento como ideia;
[E] o vivo e puro amor de que sou feito,
Como matéria simples busca a forma.
Por virtude do muito imaginar;
Não tenho logo mais que desejar,
Pois em mim tenho a parte desejada.
Se nela está minha alma transformada,
Que mais deseja o corpo de alcançar?
Em si sómente pode descansar,
Pois consigo tal alma está liada.
Mas esta linda e pura semideia,
Que, como o acidente em seu sujeito,
Assim co'a alma minha se conforma,
Está no pensamento como ideia;
[E] o vivo e puro amor de que sou feito,
Como matéria simples busca a forma.
domingo, dezembro 11, 2005
Os versos que te fiz - Florbela Espanca
Deixe dizer-te os lindos versos raros
Que a minha boca tem pra te dizer !
São talhados em mármore de Paros
Cinzelados por mim pra te oferecer.
Tem dolencia de veludo caros,
São como sedas pálidas a arder...
Deixa dizer-te os lindos versos raros
Que foram feitos pra te endoidecer !
Mas, meu Amor, eu não te digo ainda...
Que a boca da mulher é sempre linda
Se dentro guarda um verso que não diz !
Amo-te tanto ! E nunca te beijei...
E nesse beijo, Amor, que eu te não dei
Guardo os versos mais lindos que te fiz.
Que a minha boca tem pra te dizer !
São talhados em mármore de Paros
Cinzelados por mim pra te oferecer.
Tem dolencia de veludo caros,
São como sedas pálidas a arder...
Deixa dizer-te os lindos versos raros
Que foram feitos pra te endoidecer !
Mas, meu Amor, eu não te digo ainda...
Que a boca da mulher é sempre linda
Se dentro guarda um verso que não diz !
Amo-te tanto ! E nunca te beijei...
E nesse beijo, Amor, que eu te não dei
Guardo os versos mais lindos que te fiz.
sexta-feira, dezembro 09, 2005
Abril - Adriana Calcanhotto
Sinto o abraço do tempo apertar
e redesenhar minha escolhas
logo eu, que queria mudar tudo
me vejo cumprindo ciclos
gostar mais de hoje e gostar disso
Me vejo com seus olhos, tempo
espero pelas novas folhas
e imagino jeitos novos
para as mesmas coisas
logo eu, que queria ficar
pra ver encorparem os caules
lá vou eu, eu queria ficar
pra me ver mais tarde
sabendo o que sabem os velhos
pra ver o tempo e seu lento ácido
dissolver o que é concreto
E vejo o tempo em seu claroescuro
vejo o tempo em seu movimento
me marcar a pele fundo
me impelindo, me fazendo
logo eu, que fazia girar o mundo
logo eu, quem diria, esperar pelos frutos
Conheço o tempo em seus disfarces
em seus círculos de horas
se arrastando feito meses
se o meu amor demora
E vejo bem, tudo recomeçar todas as vezes
e vejo o tempo apodrecer e brotar e seguir sendo sempre ele
Me vejo o tempo todo
começar de novo
e ser e ter tudo pela frente
Me vejo o tempo todo
começar de novo
e ser e ter tudo pela frente
http://www.adrianacalcanhotto.com.br
e redesenhar minha escolhas
logo eu, que queria mudar tudo
me vejo cumprindo ciclos
gostar mais de hoje e gostar disso
Me vejo com seus olhos, tempo
espero pelas novas folhas
e imagino jeitos novos
para as mesmas coisas
logo eu, que queria ficar
pra ver encorparem os caules
lá vou eu, eu queria ficar
pra me ver mais tarde
sabendo o que sabem os velhos
pra ver o tempo e seu lento ácido
dissolver o que é concreto
E vejo o tempo em seu claroescuro
vejo o tempo em seu movimento
me marcar a pele fundo
me impelindo, me fazendo
logo eu, que fazia girar o mundo
logo eu, quem diria, esperar pelos frutos
Conheço o tempo em seus disfarces
em seus círculos de horas
se arrastando feito meses
se o meu amor demora
E vejo bem, tudo recomeçar todas as vezes
e vejo o tempo apodrecer e brotar e seguir sendo sempre ele
Me vejo o tempo todo
começar de novo
e ser e ter tudo pela frente
Me vejo o tempo todo
começar de novo
e ser e ter tudo pela frente
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quinta-feira, dezembro 08, 2005
Soneto de fidelidade - Vinicius de Moraes
De tudo, ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento
Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento
E assim quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama
Eu possa lhe dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure
http://www.viniciusdemoraes.com.br/
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento
Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento
E assim quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama
Eu possa lhe dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure
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terça-feira, dezembro 06, 2005
Teu corpo - Ferreira Gullar
O teu corpo muda
independente de ti.
Não te pergunta
se deve engordar.
É um ser estranho
que tem o teu rosto
ri em teu riso
e goza com teu sexo.
Lhe dás de comer
e ele fica quieto.
Penteia-lhe os cabelos
como se fossem teus.
Num relance, achas
que apenas estás
nesse corpo.
Mas como, se nele
nascente e sem ele
não és?
Ao que tudo indica
tu és esse corpo
— que a cada dia
mais difere de ti.
E até já tens medo
de olhar no espelho:
lento como nuvem
o rosto que eras
vai virando outro.
E a erupção
que te surge no queixo?
Vai sumir? alastrar-se
feito impingem, câncer?
Poderás detê-la
com Dermobenzol?
ou terás que chamar
o corpo de bombeiros?
Tocas o joelho:
tu és esse osso.
Olhas a mão:
tu és essa mão.
A forma sentada
de bruços na mesa
és tu.
Quem se senta és tu,
quem se move (leva
o cigarro à boca,
traga, bate a cinza)
és tu.
Mas quem morre?
Quem diz ao teu corpo — morre —
quem diz a ele — envelhece —
se não o desejas,
se queres continuar vivo e jovem
por infinitas manhãs?
http://portalliteral.terra.com.br/ferreira_gullar/
independente de ti.
Não te pergunta
se deve engordar.
É um ser estranho
que tem o teu rosto
ri em teu riso
e goza com teu sexo.
Lhe dás de comer
e ele fica quieto.
Penteia-lhe os cabelos
como se fossem teus.
Num relance, achas
que apenas estás
nesse corpo.
Mas como, se nele
nascente e sem ele
não és?
Ao que tudo indica
tu és esse corpo
— que a cada dia
mais difere de ti.
E até já tens medo
de olhar no espelho:
lento como nuvem
o rosto que eras
vai virando outro.
E a erupção
que te surge no queixo?
Vai sumir? alastrar-se
feito impingem, câncer?
Poderás detê-la
com Dermobenzol?
ou terás que chamar
o corpo de bombeiros?
Tocas o joelho:
tu és esse osso.
Olhas a mão:
tu és essa mão.
A forma sentada
de bruços na mesa
és tu.
Quem se senta és tu,
quem se move (leva
o cigarro à boca,
traga, bate a cinza)
és tu.
Mas quem morre?
Quem diz ao teu corpo — morre —
quem diz a ele — envelhece —
se não o desejas,
se queres continuar vivo e jovem
por infinitas manhãs?
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segunda-feira, dezembro 05, 2005
Sem Mandamentos - Oswaldo Montenegro
Hoje que quero a rua cheia de sorrisos francos
De rostos serenos, de palavras soltas
Eu quero a rua toda parecendo louca
com gente gritando e se abraçando ao sol
Hoje que quero ver a bola da criança livre
quero ver os sonhos todos nas janelas
quero ver vocês andando por aí
Hoje eu vou pedir desculpas pelo que eu não disse
Eu até desculpo o que você falou
eu quero ver meu coração no seu sorriso
e no olho da tarde a primeira luz
Hoje eu quero que os boêmios gritem bem mais alto
eu quero um carnaval no engarrafamento
e que dez mil estrelas vão riscando o céu
buscando a sua casa no amanhecer
Hoje eu vou fazer barulho pela madrugada
rasgar a noite escura como um lampião
eu vou fazer seresta na sua calçada
eu vou fazer misérias no seu coração
Hoje eu quero que os poetas dancem pela rua
pra escrever a músicas sem pretensão
eu quero que as buzines toquem flauta-doce
e que triunfe a força da imaginação
De rostos serenos, de palavras soltas
Eu quero a rua toda parecendo louca
com gente gritando e se abraçando ao sol
Hoje que quero ver a bola da criança livre
quero ver os sonhos todos nas janelas
quero ver vocês andando por aí
Hoje eu vou pedir desculpas pelo que eu não disse
Eu até desculpo o que você falou
eu quero ver meu coração no seu sorriso
e no olho da tarde a primeira luz
Hoje eu quero que os boêmios gritem bem mais alto
eu quero um carnaval no engarrafamento
e que dez mil estrelas vão riscando o céu
buscando a sua casa no amanhecer
Hoje eu vou fazer barulho pela madrugada
rasgar a noite escura como um lampião
eu vou fazer seresta na sua calçada
eu vou fazer misérias no seu coração
Hoje eu quero que os poetas dancem pela rua
pra escrever a músicas sem pretensão
eu quero que as buzines toquem flauta-doce
e que triunfe a força da imaginação
I am a stranger here myself - Kurt Weill (um trecho)
Hoje eu postarei algo diferente, que é um trecho de uma música.
"If gender is just a term in grammar,
How can I ever find my way,
Since I'm a stranger here myself?"
"If gender is just a term in grammar,
How can I ever find my way,
Since I'm a stranger here myself?"
sexta-feira, dezembro 02, 2005
algumas coisas...
Ah, que vontade de postar um dos meus poemas, mas ainda não posso postá-los... um dia ainda posto um!
Tenho uma dúvida, será que alguém visita esse blog? Porque nunca ninguém comenta... Alguém???
Tenho uma dúvida, será que alguém visita esse blog? Porque nunca ninguém comenta... Alguém???
Memória - Carlos Drummond de Andrade
Amar o perdido
deixa confundido
este coração.
Nada pode o olvido
contra o sem sentido
apelo do Não.
As coisas tangíveis
tornam-se insensíveis
à palma da mão
Mas as coisas findas
muito mais que lindas,
essas ficarão.
deixa confundido
este coração.
Nada pode o olvido
contra o sem sentido
apelo do Não.
As coisas tangíveis
tornam-se insensíveis
à palma da mão
Mas as coisas findas
muito mais que lindas,
essas ficarão.
Hipótese - Carlos Drummond de Andrade
E se Deus é canhoto
e criou com a mão esquerda?
Isso explica, talvez, as coisas deste mundo.
e criou com a mão esquerda?
Isso explica, talvez, as coisas deste mundo.
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