quarta-feira, maio 05, 2010

Dia de jogo

É dia de jogo. Cerveja na geladeira. Feijoada no fogão. Toca a campainha: entram tios, tias, vizinhos, avô e avó. Minha mãe prepara a comida. Meu pai arruma a antena da TV. Eu sirvo amendoim. Passo despercebida pela confusão. O amendoim, não. Sem olhar para baixo (onde eu estou), esticam as mãos para alcançar a tigela. Parecem estar muito bravos com o técnico e o jogo nem começou.

Meus tios e avô são fanáticos pelo time que vai jogar hoje. Minha mãe que diz isso: “São uns fanáticos!”. Foram eles que me ensinaram a gostar de futebol. Tudo começou com a pergunta: “O que é um tiro de meta?”. Depois disso, ouvi tanta história, que passei a gostar. Recortei uma fotografia do jornal com os jogadores abraçados e colei na parede do quarto, em cima da cama.

Um dia que o time ia jogar com seu principal rival, estávamos reunidos: tios, avô e eu. Nunca prestei tanta atenção na televisão, nem assistindo à novela. De repente, meu time levou um gol. Senti um nó na garganta, até parei de comer amendoim. Era tio gritando com a TV de um lado, avô xingando de outro: “Mascalzone! Porco cane!”.

No final, o nosso time perdeu. Meus tios choraram, meu avô chorou e eu também. Ao me ver sofrendo daquele jeito, minha mãe falou: “Você nunca mais vai gostar de futebol!”.

Mas não adiantou. Hoje, tem mais um jogo do time querido. Percebi que o que eu mais gosto no futebol é ver minha mãe fazendo feijoada; meu pai arrumando a antena da TV; os vizinhos discutindo a escalação enquanto comem amendoim; o cachorro perdido no meio de tanta gente e eu, aqui, observando tudo. Falei para a mãe: “Às vezes a gente chora, mas às vezes a gente fica feliz também”. O importante é que está todo mundo junto. Agora tenho que ir. A partida já vai começar.

terça-feira, maio 04, 2010

anúncio de nova autora no blog

Estou aqui para anunciar a presença de uma nova autora no na hora da chuva: Érika Caprotti. É uma grande amiga, e jornalista. Além de escrever, desenha muito bem (e tem uns esboços de quadrinhos). Ouvi dizer que vai começar aqui com um pequeno conto sobre futebol. Vamos esperar!

terça-feira, março 23, 2010

segunda-feira, março 22, 2010

A história do domingo

Foi só o pai de Paulo sair do quarto, que já começou a pensar nessa história do domingo não ser domingo, e ficou todo atrapalhado. Se o domingo não era domingo, e sim quinta feira; e se naquela hora ele estava na escola, quem estava em seu quarto não era ele.

E se não era ele, quem era então?
Mas aí, pensou que se ele não era ele, podia ser quem ele quisesse, e até achou que podia ser uma brincadeira legal.
A primeira foi arranjar roupas de sua irmã, se vestir como ela e andar chorando feito louca. Isso porque sua irmã chora o tempo todo, e todos perguntam o que ela tem. Com Paulo, é só começar, e todos falam “chorão!”, e fazem pouco caso.
Essa idéia foi logo embora. Ele não estava a fim de chorar, e nem de ser sua irmã. Para falar a verdade, nem gosta muito dela.
Era melhor ser o Batman, ou o Homem-Aranha, ou o Super-Homem. Foi pensando. Achou que isso fosse dar muito trabalho e desistiu na hora. Aí, se lembrou de um menino que tinha visto num filme. Ele era magro e usava óculos, e tinha uma cara encucada bem de seu gosto. Ele gostou do menino e sempre teve vontade de usar óculos.
Mentira!
Ele gostou do menino, mas não teve vontade de usar óculos, pois nem tinha problema na vista.

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Escrevi esse texto no dia 26 de agosto de 1994, logo depois de completar 11 anos. A versão que postei aqui é a mais fiel possível à original; me limitei a corrigir pontuação, ortografia e uma ou outra junção entre frases.

Logo que comecei a falar, passei a inventar histórias. Quando perguntavam de onde eu "tinha tirado aquilo", dizia que a minha cachorra havia me ensinado. Às vezes, pedia pra escreverem as minhas criações. Mas foi só no início de 1994, aos 10 anos, que fui "picada" pelo bichinho da escrita, e desde então, não parei mais.

sexta-feira, março 19, 2010

Aurora I

Era uma vez, no distante mundo dos pensamentos de Aurora, uma menina que não sabia o que sabia. Todos os dias ela acordava bem cedo, com pensamentos que diziam coisas que não faziam sentido, e de repente faziam, para depois de algum tempo perderem novamente seu sentido. Passava o dia pensando, para esperar que a noite logo chegasse e ela pudesse se deitar também pensando, e pudesse sonhar pensando... e nesse tanto pensar, perdia-se dentro dela.

Certo dia resolveu gritar por socorro. Vários à sua volta vieram, mas ninguém parecia conseguir ajudá-la. Cada um contribuiu como podia, da maneira que achava melhor.

Aurora não sabia se o problema era se ela não conseguia pedir ajuda direito;
se os outros não a entendiam;
se ela não entendia o que diziam.
Ou talvez tudo isso muito junto.

Seus olhos ficaram tristes, voltaram-se para dentro, tudo ficou desfocado. O joelho, o chão do quarto, a janela... um mar de cores sem forma. Ela sentia desaparecer nas formas de seu quarto, esparramada nos cantos dos móveis. A força havia esvaído de si; e lá ficou, largada. Sons sem sentido, pensamentos que não se completavam e que se esqueciam, imagens que não eram vistas... ficou silêncio no meio de barulho sem forma, até que ela sentiu frio. Buscou calor e conforto em sua cama, conseguiu fechar os olhos, olhar para ela. E seu calor foi voltando, sua força, seu olhar...
Nesse momento ela está sentada, não mais esparramada, nem congelada. Olhando, buscando, achando forças num vazio que parecia infinito de nada.

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Escrevi esse fragmento no final de 2008, e acabei de ajustar um ou outro detalhe. Aurora já é uma personagem antiga, tenho outros fragmentos e contos inacabados que pretendo postar num futuro "não tão distante". Aliás, falando em contos inacabados, acabei de me lembrar de um antigo conto, o da "moça de vestido branco rasgado", ou "moça presa na torre", ou quem sabe, "da tempestade". Não tem nome, mas a história gira por aí. Vou procurá-lo, quem sabe termino e posto por aqui.

terça-feira, março 09, 2010

exercício literário

Tosse. Ruídos. Eu em silêncio. O piano toca. Passo a ouvir a música ao redor. Tenho uma tarefa: traduzi-la. Como traduzir ao mesmo tempo em que a ouço? Acabo perdendo, filtrando. Meu ouvido seleciona flashes, e enquanto escrevo, perco. Perco um foco; acho o outro.

Não estou mais traduzindo.

De repente, percebo-me imersa em meus pensamentos e esqueço das sensações que rodeiam.

Das sensações.

Tenho cinco sentidos, e percebo de repente que apenas a audição está “parcialmente ligada”. A visão serve-me apenas para guiar a caneta no papel. E o tato? Mal sinto-o. Só sei que seguro a caneta, deslizando a mão sobre o papel.

Paro um pouco para escutar o redor. Ao redor. Há uma música ao fundo e não sei muito bem o que imagino. Sim. Acabei de ser remetida à cenas de Kieslowski em “A dupla vida de Veronique”.

Vejo agora uma mulher. É noite e ela está numa estação de trem. Sua silhueta é visível, desenhada por uma fumaça amarelada que a envolve. Está de costas e tem um chapéu na cabeça. Numa das mãos um casaco; na outra, uma pequena valise. Ela olha. Espera. E embora tudo ao seu redor esteja tenso, ela parece impermeável a isso.

Por que essa mulher parece, de alguma maneira, estar fora da cena? Não, ela não está fora da cena. Porém, parece não pertencer. É como se flutuasse e estivesse congelada. E como se tudo acontecesse à sua volta, e ela apenas observasse.

Ela contempla. Espera. Está indo em alguma direção, mas ainda não sabe ao certo. Eu não sou essa mulher, mas vejo-a. Ela está à minha frente e é como se não soubesse da minha existência. Não vejo mais ninguém, apenas ela. E apesar disso, sei que está num lugar onde diversas coisas acontecem ao seu redor.

Pessoas passam.
Vão de um lado para o outro.
Seguem seus rumos e caminhos.

Mas eu não os vejo. Apenas vejo-a.

A mulher da estação. A mulher da estação...

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Ontem comecei um curso de criação literária. Isso que acabo de postar é meu primeiro exercício. Acho que postarei outros. Assumo que é estranho postar algo que eu sinto que ainda não está pronto, mas acho válido arriscar!

segunda-feira, fevereiro 15, 2010

um poema suscitado por MAUS

Choro o pedaço arrancado de mim
sofro o sangue que escorre
sinto o frio que me abraça
e me enlaça,
me prende.
Tortura-me...

Não quero sofrer o pedaço que escorre de mim
nem ter meu sangue arrancado
nem ser torturada pelo frio
que me abraça,
me enlaça
e me prende

Quero sentir-me,
o ar...
o meu pedaço que voa
no ar...
o meu sangue que se mistura
no mar...
o frio
o ar

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Escrevi esse poema em outubro de 2005, ao terminar de ler o livro "MAUS", de Art Spiegelman. O livro (em quadrinhos) narra a história de Vladek, pai do autor, e sobrevivente do Holocausto, passando por momentos anteriores à sua vivência no campo de concentração, até depois de sua saída.

sábado, janeiro 16, 2010

"fort-da" ou como descobri que meu afilhado fala alemão

Imagino que alguns de vocês estejam se perguntando: “fort-da”? Devo uma explicação para aqueles que não estudam (ou nunca estudaram) psicanálise; ou então, que não falam alemão.

Do alemão, fort significa ausente; da significa aqui, cá. Traduzindo literalmente, “fort-da” seria “ausente-aqui”. Como dizemos em psicanálise, trata-se de um jogo de ausência e presença. Uma de suas formas é o tão conhecido “cadê? Achou!”, que costumamos jogar com bebês e crianças pequenas. Escondemos o rosto do bebê e perguntamos “cadê o bebê?”. Depois, descobrimos seu rosto, permitindo que ele nos veja, e, vendo-o descoberto, exclamamos: “achou!”.

Presenciei esse jogo com meu afilhado, pela primeira vez, há pouco mais de uma semana. Estávamos todos sentados no chão, quando Líam, com seu primeiro ano recém completo, engatinhou para trás do sofá. Sua mãe olhou para mim e disse: “pergunta aonde ele está”. Eu logo entrei no jogo dizendo “ué, cadê o Líam?”. Repeti algumas vezes, até que ele colocou a cabeça para fora do sofá, com um sorriso de orelha a orelha, dizendo algo que indicava que ele estava lá.

Repetimos esse jogo inúmeras vezes durante os dias que passei por lá.

Depois de muito repetir, ficou mais claro que o que ele dizia era “dá dá dá dá!”, com ênfase em todos os sons. Para mim era mera “lalação” em que ele me contava aonde estava.

Eis que alguns dias se passaram, e eu, a madrinha (coruja, sem dúvida), recém formada psicóloga, e, às vezes, estudante de alemão, me dei conta do ocorrido. Vejam só que brilhante. Eu perguntava aonde ele estava, e ele me respondia, “cá!”.

Meu afilhado fala alemão!

terça-feira, janeiro 12, 2010

sobre o intraduzível ou Gypsy Cove novamente

Leia antes: Gypsy Cove

Ainda não estou muito satisfeita em relação ao que escrevi sobre tradução, na semana passada. Sim, é fato que há sempre algo que se perde e que é intraduzível. Talvez por pensar isso, tenha deixado de tentar traduzir em palavras a imagem captada por meus olhos (que é completamente diferente daquela registrada pela câmera fotográfica). Há algo mais do que apenas registro da visão; e não é só porque é uma imagem que passa pelos outros sentidos (o barulho do vento, o cheiro úmido do ar, o vento cortante no rosto); tampouco por ser uma imagem em movimento, difícil de ser congelada. Ou precisamente por isso.

Talvez o intraduzível, nesse caso, esteja no movimento. Na transformação. Ou nos sentimentos.

Às vezes me pergunto o que me fascinou tanto naquele lugar. Quem sabe, o limite da aproximação e a necessidade de permanecer distante. Pois essa é uma área com bombas, que há anos foram escondidas, por isso é isolada. Apenas penguins podem pisar por lá, sem correr o risco de desencadear uma explosão.

Aos homens, é permitida uma visão distanciada.

A percepção tátil é a do vento que bate, e não a dos pés na areia ou do corpo na água. Abre-se, com essa distância, um outro espaço. De algo que não está pronto. Um espaço único e pessoal. Será que é aí que entram os sentimentos? Estaria nesse espaço o intraduzível?

terça-feira, janeiro 05, 2010

Gypsy Cove


fotografia: Julia Moreira

Há alguns dias venho ensaiando uns textos para postar. Comecei a escrever sobre um filme que assisti recentemente, mas fiquei empacada. Depois, achei um trecho interessante em um livro que estou lendo, mas não desenvolvi o texto. Ao invés de ficar enrolando, decidi escolher uma fotografia. Não demorou muito tempo, e eu selecionei três imagens, sendo que cada uma delas traria um texto completamente diferente do outro. Não apenas pelo conteúdo, mas também pela forma. Optei começar por essa.

Costumo me referir a esse local como "meu paraíso de cores pastéis"; e, nesse caso, uso a fotografia como mera ilustração de um lugar. E devo dizer, pobre ilustração... não consegui captar em uma imagem fotográfica a beleza que vi. Há algo de intraduzível aí. Aliás, nas traduções, nunca é possível reproduzir tudo, há sempre alguma coisa que se perde.

É possível traduzir em palavras? Creio que não. Esse intraduzível passa mais pelos sentimentos e sensações. É mais que visão congelada. É o tato do vento que faz barulho e movimenta. É poder segurar na madeira da grade e contemplar essa paisagem. É poder estar parada e em movimento ao mesmo tempo; e ficar horas olhando, andando, percebendo. É poder chamar algum ponto no mundo de "meu paraíso".


obs: Gypsy Cove é uma baía nas Ilhas Falkland, bem no sul do mundo.