terça-feira, março 23, 2010

segunda-feira, março 22, 2010

A história do domingo

Foi só o pai de Paulo sair do quarto, que já começou a pensar nessa história do domingo não ser domingo, e ficou todo atrapalhado. Se o domingo não era domingo, e sim quinta feira; e se naquela hora ele estava na escola, quem estava em seu quarto não era ele.

E se não era ele, quem era então?
Mas aí, pensou que se ele não era ele, podia ser quem ele quisesse, e até achou que podia ser uma brincadeira legal.
A primeira foi arranjar roupas de sua irmã, se vestir como ela e andar chorando feito louca. Isso porque sua irmã chora o tempo todo, e todos perguntam o que ela tem. Com Paulo, é só começar, e todos falam “chorão!”, e fazem pouco caso.
Essa idéia foi logo embora. Ele não estava a fim de chorar, e nem de ser sua irmã. Para falar a verdade, nem gosta muito dela.
Era melhor ser o Batman, ou o Homem-Aranha, ou o Super-Homem. Foi pensando. Achou que isso fosse dar muito trabalho e desistiu na hora. Aí, se lembrou de um menino que tinha visto num filme. Ele era magro e usava óculos, e tinha uma cara encucada bem de seu gosto. Ele gostou do menino e sempre teve vontade de usar óculos.
Mentira!
Ele gostou do menino, mas não teve vontade de usar óculos, pois nem tinha problema na vista.

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Escrevi esse texto no dia 26 de agosto de 1994, logo depois de completar 11 anos. A versão que postei aqui é a mais fiel possível à original; me limitei a corrigir pontuação, ortografia e uma ou outra junção entre frases.

Logo que comecei a falar, passei a inventar histórias. Quando perguntavam de onde eu "tinha tirado aquilo", dizia que a minha cachorra havia me ensinado. Às vezes, pedia pra escreverem as minhas criações. Mas foi só no início de 1994, aos 10 anos, que fui "picada" pelo bichinho da escrita, e desde então, não parei mais.

sexta-feira, março 19, 2010

Aurora I

Era uma vez, no distante mundo dos pensamentos de Aurora, uma menina que não sabia o que sabia. Todos os dias ela acordava bem cedo, com pensamentos que diziam coisas que não faziam sentido, e de repente faziam, para depois de algum tempo perderem novamente seu sentido. Passava o dia pensando, para esperar que a noite logo chegasse e ela pudesse se deitar também pensando, e pudesse sonhar pensando... e nesse tanto pensar, perdia-se dentro dela.

Certo dia resolveu gritar por socorro. Vários à sua volta vieram, mas ninguém parecia conseguir ajudá-la. Cada um contribuiu como podia, da maneira que achava melhor.

Aurora não sabia se o problema era se ela não conseguia pedir ajuda direito;
se os outros não a entendiam;
se ela não entendia o que diziam.
Ou talvez tudo isso muito junto.

Seus olhos ficaram tristes, voltaram-se para dentro, tudo ficou desfocado. O joelho, o chão do quarto, a janela... um mar de cores sem forma. Ela sentia desaparecer nas formas de seu quarto, esparramada nos cantos dos móveis. A força havia esvaído de si; e lá ficou, largada. Sons sem sentido, pensamentos que não se completavam e que se esqueciam, imagens que não eram vistas... ficou silêncio no meio de barulho sem forma, até que ela sentiu frio. Buscou calor e conforto em sua cama, conseguiu fechar os olhos, olhar para ela. E seu calor foi voltando, sua força, seu olhar...
Nesse momento ela está sentada, não mais esparramada, nem congelada. Olhando, buscando, achando forças num vazio que parecia infinito de nada.

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Escrevi esse fragmento no final de 2008, e acabei de ajustar um ou outro detalhe. Aurora já é uma personagem antiga, tenho outros fragmentos e contos inacabados que pretendo postar num futuro "não tão distante". Aliás, falando em contos inacabados, acabei de me lembrar de um antigo conto, o da "moça de vestido branco rasgado", ou "moça presa na torre", ou quem sabe, "da tempestade". Não tem nome, mas a história gira por aí. Vou procurá-lo, quem sabe termino e posto por aqui.

terça-feira, março 09, 2010

exercício literário

Tosse. Ruídos. Eu em silêncio. O piano toca. Passo a ouvir a música ao redor. Tenho uma tarefa: traduzi-la. Como traduzir ao mesmo tempo em que a ouço? Acabo perdendo, filtrando. Meu ouvido seleciona flashes, e enquanto escrevo, perco. Perco um foco; acho o outro.

Não estou mais traduzindo.

De repente, percebo-me imersa em meus pensamentos e esqueço das sensações que rodeiam.

Das sensações.

Tenho cinco sentidos, e percebo de repente que apenas a audição está “parcialmente ligada”. A visão serve-me apenas para guiar a caneta no papel. E o tato? Mal sinto-o. Só sei que seguro a caneta, deslizando a mão sobre o papel.

Paro um pouco para escutar o redor. Ao redor. Há uma música ao fundo e não sei muito bem o que imagino. Sim. Acabei de ser remetida à cenas de Kieslowski em “A dupla vida de Veronique”.

Vejo agora uma mulher. É noite e ela está numa estação de trem. Sua silhueta é visível, desenhada por uma fumaça amarelada que a envolve. Está de costas e tem um chapéu na cabeça. Numa das mãos um casaco; na outra, uma pequena valise. Ela olha. Espera. E embora tudo ao seu redor esteja tenso, ela parece impermeável a isso.

Por que essa mulher parece, de alguma maneira, estar fora da cena? Não, ela não está fora da cena. Porém, parece não pertencer. É como se flutuasse e estivesse congelada. E como se tudo acontecesse à sua volta, e ela apenas observasse.

Ela contempla. Espera. Está indo em alguma direção, mas ainda não sabe ao certo. Eu não sou essa mulher, mas vejo-a. Ela está à minha frente e é como se não soubesse da minha existência. Não vejo mais ninguém, apenas ela. E apesar disso, sei que está num lugar onde diversas coisas acontecem ao seu redor.

Pessoas passam.
Vão de um lado para o outro.
Seguem seus rumos e caminhos.

Mas eu não os vejo. Apenas vejo-a.

A mulher da estação. A mulher da estação...

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Ontem comecei um curso de criação literária. Isso que acabo de postar é meu primeiro exercício. Acho que postarei outros. Assumo que é estranho postar algo que eu sinto que ainda não está pronto, mas acho válido arriscar!