sábado, janeiro 16, 2010

"fort-da" ou como descobri que meu afilhado fala alemão

Imagino que alguns de vocês estejam se perguntando: “fort-da”? Devo uma explicação para aqueles que não estudam (ou nunca estudaram) psicanálise; ou então, que não falam alemão.

Do alemão, fort significa ausente; da significa aqui, cá. Traduzindo literalmente, “fort-da” seria “ausente-aqui”. Como dizemos em psicanálise, trata-se de um jogo de ausência e presença. Uma de suas formas é o tão conhecido “cadê? Achou!”, que costumamos jogar com bebês e crianças pequenas. Escondemos o rosto do bebê e perguntamos “cadê o bebê?”. Depois, descobrimos seu rosto, permitindo que ele nos veja, e, vendo-o descoberto, exclamamos: “achou!”.

Presenciei esse jogo com meu afilhado, pela primeira vez, há pouco mais de uma semana. Estávamos todos sentados no chão, quando Líam, com seu primeiro ano recém completo, engatinhou para trás do sofá. Sua mãe olhou para mim e disse: “pergunta aonde ele está”. Eu logo entrei no jogo dizendo “ué, cadê o Líam?”. Repeti algumas vezes, até que ele colocou a cabeça para fora do sofá, com um sorriso de orelha a orelha, dizendo algo que indicava que ele estava lá.

Repetimos esse jogo inúmeras vezes durante os dias que passei por lá.

Depois de muito repetir, ficou mais claro que o que ele dizia era “dá dá dá dá!”, com ênfase em todos os sons. Para mim era mera “lalação” em que ele me contava aonde estava.

Eis que alguns dias se passaram, e eu, a madrinha (coruja, sem dúvida), recém formada psicóloga, e, às vezes, estudante de alemão, me dei conta do ocorrido. Vejam só que brilhante. Eu perguntava aonde ele estava, e ele me respondia, “cá!”.

Meu afilhado fala alemão!

terça-feira, janeiro 12, 2010

sobre o intraduzível ou Gypsy Cove novamente

Leia antes: Gypsy Cove

Ainda não estou muito satisfeita em relação ao que escrevi sobre tradução, na semana passada. Sim, é fato que há sempre algo que se perde e que é intraduzível. Talvez por pensar isso, tenha deixado de tentar traduzir em palavras a imagem captada por meus olhos (que é completamente diferente daquela registrada pela câmera fotográfica). Há algo mais do que apenas registro da visão; e não é só porque é uma imagem que passa pelos outros sentidos (o barulho do vento, o cheiro úmido do ar, o vento cortante no rosto); tampouco por ser uma imagem em movimento, difícil de ser congelada. Ou precisamente por isso.

Talvez o intraduzível, nesse caso, esteja no movimento. Na transformação. Ou nos sentimentos.

Às vezes me pergunto o que me fascinou tanto naquele lugar. Quem sabe, o limite da aproximação e a necessidade de permanecer distante. Pois essa é uma área com bombas, que há anos foram escondidas, por isso é isolada. Apenas penguins podem pisar por lá, sem correr o risco de desencadear uma explosão.

Aos homens, é permitida uma visão distanciada.

A percepção tátil é a do vento que bate, e não a dos pés na areia ou do corpo na água. Abre-se, com essa distância, um outro espaço. De algo que não está pronto. Um espaço único e pessoal. Será que é aí que entram os sentimentos? Estaria nesse espaço o intraduzível?

terça-feira, janeiro 05, 2010

Gypsy Cove


fotografia: Julia Moreira

Há alguns dias venho ensaiando uns textos para postar. Comecei a escrever sobre um filme que assisti recentemente, mas fiquei empacada. Depois, achei um trecho interessante em um livro que estou lendo, mas não desenvolvi o texto. Ao invés de ficar enrolando, decidi escolher uma fotografia. Não demorou muito tempo, e eu selecionei três imagens, sendo que cada uma delas traria um texto completamente diferente do outro. Não apenas pelo conteúdo, mas também pela forma. Optei começar por essa.

Costumo me referir a esse local como "meu paraíso de cores pastéis"; e, nesse caso, uso a fotografia como mera ilustração de um lugar. E devo dizer, pobre ilustração... não consegui captar em uma imagem fotográfica a beleza que vi. Há algo de intraduzível aí. Aliás, nas traduções, nunca é possível reproduzir tudo, há sempre alguma coisa que se perde.

É possível traduzir em palavras? Creio que não. Esse intraduzível passa mais pelos sentimentos e sensações. É mais que visão congelada. É o tato do vento que faz barulho e movimenta. É poder segurar na madeira da grade e contemplar essa paisagem. É poder estar parada e em movimento ao mesmo tempo; e ficar horas olhando, andando, percebendo. É poder chamar algum ponto no mundo de "meu paraíso".


obs: Gypsy Cove é uma baía nas Ilhas Falkland, bem no sul do mundo.