"Muitos guarda-chuvas se abriram, crentes, talvez, que eram flores, já que não é característica de guarda-chuva ter conhecimento de que só se abre porque é aberto."
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trecho do livro "A Comédia dos Anjos" de Adriana Falcão; Ed. Planeta; pág. 10
um espaço criado por quem gosta de poesia, que hoje se estende e abriga mais do que apenas poesia
quinta-feira, maio 25, 2006
segunda-feira, maio 15, 2006
Galo Galo - Ferreira Gullar
O galo
no salão quieto.
Galo galo
de alarmante crista, guerreiro,
medieval.
De córneo bico e
esporões, armado
contra a morte,
passeia.
Mede os passos. Pára.
Inclina a cabeça coroada
dentro do silêncio:
—— que faço entre coisas ?
—— de que me defendo ?
Anda.
No saguão.
O cimento esquece
o seu último passo.
Galo: as penas que
florescem da carne silenciosa
e duro bico e as unhas e o olho
sem amor. Grave
solidez.
Em que se apóia
tal arquitetura ?
Saberá que, no centro
de seu corpo, um grito
se elabora ?
Como, porém, conter,
uma vez concluído,
o canto obrigatório ?
Eis que bate as asas, vai
morrer, encurva o vertiginoso pescoço
donde o canto rubro escoa
Mas a pedra, a tarde,
o próprio feroz galo
subsistem ao grito.
Vê-se: o canto é inútil.
O galo permanece — apesar
de todo o seu porte marcial —
só, desamparado,
num saguão do mundo.
Pobre ave gurreeira!
Outro grito cresce
agora no sigilo
de seu corpo; grito
que, sem essas penas
e esporões e crista
e sobretudo sem esse olhar
de ódio,
não seria tão rouco
e sangrento
Grito, fruto obscuro
e extremo dessa árvore: galo.
Mas que, fora dele,
é mero complemento de auroras.
no salão quieto.
Galo galo
de alarmante crista, guerreiro,
medieval.
De córneo bico e
esporões, armado
contra a morte,
passeia.
Mede os passos. Pára.
Inclina a cabeça coroada
dentro do silêncio:
—— que faço entre coisas ?
—— de que me defendo ?
Anda.
No saguão.
O cimento esquece
o seu último passo.
Galo: as penas que
florescem da carne silenciosa
e duro bico e as unhas e o olho
sem amor. Grave
solidez.
Em que se apóia
tal arquitetura ?
Saberá que, no centro
de seu corpo, um grito
se elabora ?
Como, porém, conter,
uma vez concluído,
o canto obrigatório ?
Eis que bate as asas, vai
morrer, encurva o vertiginoso pescoço
donde o canto rubro escoa
Mas a pedra, a tarde,
o próprio feroz galo
subsistem ao grito.
Vê-se: o canto é inútil.
O galo permanece — apesar
de todo o seu porte marcial —
só, desamparado,
num saguão do mundo.
Pobre ave gurreeira!
Outro grito cresce
agora no sigilo
de seu corpo; grito
que, sem essas penas
e esporões e crista
e sobretudo sem esse olhar
de ódio,
não seria tão rouco
e sangrento
Grito, fruto obscuro
e extremo dessa árvore: galo.
Mas que, fora dele,
é mero complemento de auroras.
sexta-feira, maio 12, 2006
Cata-Vento - Federico García Lorca
Vento do Sul,
moreno, ardente,
que passas sobre minha carne,
trazendo-me semente
de brilhantes
olhares, empapado
de flores de laranjeira.
Tornas vermelha a lua
e soluçantes
os álamos cativos, mas vens
demasiado tarde!
Já enrolei a noite do meu conto
na estante!
Sem nenhum vento,
acredita em mim!,
gira, coração;
gira, coração.
Ar do Norte,
urso branco do vento!
Que passas sobre minha carne
tremente de auroras
boreais,
com tua capa de espectros
capitães,
e rindo estrepitosamente
do Dante.
Oh! polidor de estrelas!
Mas vens
demasiado tarde.
Meu armário está musgoso
e perdi a chave.
Sem nenhum vento,
acredita em mim!,
gira, coração;
gria, coração.
Brisas, gnomos e ventos
de nenhuma parte.
Mosquitos de rosa
de pétalas pirâmides.
Alísios destetados
entre as rudes árvores,
flautas na tormenta,
deixai-me!
Tem fortes cadeias
minha recordação,
e está cativa a ave
que desenha com trinos
a tarde.
As coisas que vão não voltam nunca,
todo mundo sabe disso,
e entre o claro gentio dos ventos
é inútil queixar-se.
Não é verdade, choupo, mestre da brisa?
É inútil queixar-se!
Sem nenhum vento,
acredita em mim!
gira, coração;
gira, coração.
moreno, ardente,
que passas sobre minha carne,
trazendo-me semente
de brilhantes
olhares, empapado
de flores de laranjeira.
Tornas vermelha a lua
e soluçantes
os álamos cativos, mas vens
demasiado tarde!
Já enrolei a noite do meu conto
na estante!
Sem nenhum vento,
acredita em mim!,
gira, coração;
gira, coração.
Ar do Norte,
urso branco do vento!
Que passas sobre minha carne
tremente de auroras
boreais,
com tua capa de espectros
capitães,
e rindo estrepitosamente
do Dante.
Oh! polidor de estrelas!
Mas vens
demasiado tarde.
Meu armário está musgoso
e perdi a chave.
Sem nenhum vento,
acredita em mim!,
gira, coração;
gria, coração.
Brisas, gnomos e ventos
de nenhuma parte.
Mosquitos de rosa
de pétalas pirâmides.
Alísios destetados
entre as rudes árvores,
flautas na tormenta,
deixai-me!
Tem fortes cadeias
minha recordação,
e está cativa a ave
que desenha com trinos
a tarde.
As coisas que vão não voltam nunca,
todo mundo sabe disso,
e entre o claro gentio dos ventos
é inútil queixar-se.
Não é verdade, choupo, mestre da brisa?
É inútil queixar-se!
Sem nenhum vento,
acredita em mim!
gira, coração;
gira, coração.
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